Inspirado em Naruto, Matheus Buiú usa habilidade para superar adversidades da vida, sempre encarando problemas com sorriso no rosto e pronto para novos desafios
“Mantenha o foco. Nunca desvie seus olhos, porque se uma abertura surge, mesmo nosso poder insignificante pode ser suficiente para determinar o destino do mundo. É por isso que todos devem ficar alertas e prontos a atacar a qualquer momento”. Essa é uma das frases marcantes de Shikamaru Nara, o personagem favorito de Matheus Buiú no anime japonês Naruto, que reflete o quanto o atleta ganhou de força para melhorar o mundo a sua volta.
Matheus Santos Neves da Silva, ou simplesmente Buiú, tinha tudo para ser uma pessoa de mal com a vida, se vitimando pelas tantas pedras que aparecem em seu caminho, amargurando rancor em seu coração por tantas injustiças e problemas que já sofreu, mesmo com apenas 23 anos. Nas quadras na temporada 2023/24 do NBB CAIXA, se mudou do Paulistano para o Cerrado Basquete e ajudou o time na busca da classificação, que teria sido inédita, aos playoffs. Em um ano marcante em sua vida foi um dos jovens destaques do time candango pelo que apresentou em quadra, mas também foi vítima de racismo, fazendo o que mais ama (jogando basquete), dentro de seu próprio País. Na última quinta-feira (27/06), foi anunciado como reforço do São José Basketball para a temporada 2024/25 no NBB CAIXA. Começa agora um novo capítulo em sua trajetória.
Tanto no Paulistano, quanto no Cerrado, Matheus Buiú foi treinado por Régis Marelli, seu comandante também no novo clube. “Estou muito feliz por estar no São José nessa temporada. Estou muito ansioso. Será um prazer continuar trabalhando com o Régis. Ele tem me ajudado muito em meu desenvolvimento desde a base lá no Paulistano até minha formação com mais tempo de quadra no Cerrado”, disse o armador.
O episódio de racismo tornou seu nome mais forte e seu apelido virou símbolo da causa por um basquete combativo nas diversas questões que tangem comportamentos discriminatórios na sociedade. Esse é um assunto muito sério, mas Matheus revelou, em uma longa entrevista à LNB, sempre com uma alegria de um prosador mineiro, que já encarou outros tantos problemas pesados. Desafios que já quase lhe tiraram a vida, quase o impediram de seguir no basquete e lhe afetaram psicologicamente. Quase.
Mas, com uma ancestralidade potente e ampla (ampla mesmo) rede de apoio, está vencendo todos os percalços e fazendo jus à frase que tatuou no peito “They will know my name”. Aos poucos está provando seu valor no basquete nacional, já venceu a LDB 2023 com o Paulistano e fez sua primeira participação no Jogo das Estrelas em 2024. Conquistou um apartamento, financiou o carro e tem uma companheira de vida, Marília Tedesco, que é um de seus alicerces e uma força igualmente potente da natureza e que está com ele em todos os momentos importantes, até na entrevista.
Não é o bastante. Matheus é ambicioso, além do desejo de ser reconhecido, quer viajar o mundo, ser um astro que muda de cabelo como muda de roupa, mas também que tem entre suas virtudes o talento, a versatilidade, o pensamento rápido e crítico e a habilidade nas quadras para conquistar um espaço na seleção brasileira e alçar voos nas principais Ligas profissionais. Tudo isso sem deixar o elo com a dona Dyah (mãe), a Camila, a Jéssica e a Isabela (irmãs) para traz em Santa Luzia, na divisa com Belo Horizonte.
Antes de tratar do racismo que Buiú sofreu em quadra, Matheus contou que já viveu tempos de pobreza e fome. Já teve dengue hemorrágica, já viu violência doméstica, uma lesão grave em seu joelho e até ter que dirigir por 12 horas com a mudança para Brasília, mesmo com cansaço ao volante. Ao mesmo tempo que contou como é vaidoso para se apresentar, o quanto sua família e a da Marília gostam de festas e que ele esteja nelas, falou de esperança e outros significados de suas tatuagens e como tem sido sua jornada no basquete desde quando começou no Ginástico, um pequeno clube de Belo Horizonte, mas que já revelou Ralfi Ansaloni, por exemplo. São as várias facetas de uma pessoa que tem como filosofia que não tem mais tempo a perder em sua vida com coisas menos importantes. Segundo o que ele relata, já viu a luz no fim do túnel e voltou para aproveitar tudo o que há de bom enquanto tem forças. Se há um problema que pode resolver hoje, Matheus vai trazer a solução, mas se é problema que ainda vai demorar, não se preocupa, pois já viu que o amanhã pode nem chegar.
“Já passamos fome. Só tínhamos um engrossado de fubá para comer no almoço, no café da tarde e no jantar. Tivemos muitas dificuldades financeiras, não tínhamos luz ou água. Uma vizinha usou uma mangueira para encher um tambor de água para nós. A minha irmã mais velha começou a jogar basquete em um projeto social e nossa mãe não queria que ficássemos na rua. Ela foi puxando o restante dos irmãos para o esporte, mas teve de trabalhar muito cedo para ajudar nas contas”, explica Matheus, que foi mais um caso daqueles em que o pai esteve ausente por muito tempo e a mãe precisou contar apenas com a ajuda de pessoas próximas para sustentar os filhos. Foi um período em que o jovem teve contato com situações ruins vindas da rua, mas no qual também praticou futebol e judô, arte marcial que ele julga ser fundamental até para os dias atuais, já que a modalidade o ensinou a cair e rolar e evitar contusões.
Foi também nessa época, aos 13 anos, que começou no Ginástico, de Belo Horizonte. Matheus já jogava basquete desde os dez por causa das irmãs e porque a mãe não queria que ele ficasse na rua andando com pessoas de má influência. Então, praticava a modalidade do começo da tarde ao final da noite. Logo foi campeão estadual e metropolitano e teve vivência na Liga Ouro. Jogando com os adultos, veio a certeza: “Eu nunca tive um plano B na minha cabeça eu vou fazer isso dar certo, o basquete vai dar certo. Eu sou uma pessoa ambiciosa em questão do esporte, eu sempre quero mais, eu sou muito competitivo, quero passar minha energia boa, todo mundo fala que sou um cara de alto astral, passar para as pessoas que estão ao meu redor.”
Com 15 anos, Matheus jogava a Copa Chuí, em Franca, quando sofreu uma cama de gato em uma bandeja que estava executando. Ele não teve como se proteger na queda e bateu o joelho no chão. No dia seguinte, durante o treino do Ginástico, sofreu uma nova alavanca e caiu mais uma vez no joelho, que saiu do lugar em um daqueles acidentes que todos ficam aflitos. Matheus bateu no joelho para voltar, ficou com o ligamento frouxo e não andou por dois meses. Felizmente, para o atleta, conseguiu se recuperar com fisioterapia e fortalecimento da musculatura.
Jefferson Luís Teixeira, que era seu treinador no clube mineiro, não permitiu que Matheus Buiú, recuperado da lesão, aceitasse qualquer proposta e trabalhou para que o atleta seguisse para o Paulistano com 16 anos, em 2018. Foram cinco temporadas no time da capital paulista, um período enriquecedor na carreira porque ele teve oportunidade de treinar e absorver conhecimentos do técnico Gustavinho de Conti, antes que o técnico fosse para o Flamengo. Lá também foi campeão da LDB 2023 antes de se mudar para o Cerrado. Só que não foi possível tirar os percalços da frente mesmo em um momento tão próspero da carreira.
Vieram a pandemia, a reprovação na escola com a namorada insistindo para que ele se formasse e dois problemas graves de saúde. Logo nos primeiros anos de Paulistano, em meio ao surto da covid-19, veio a dengue hemorrágica na vida de Matheus. “Eu comecei a passar tão mal que eu não conseguia ficar de olho aberto, em seis dias eu perdi nove quilos, vomitava sangue, não conseguia comer nem beber água. O médico, que iria me internar, perguntou quem era as pessoas da minha família e se estavam próximas para eu ficar com elas. Eu tive um estalo na minha cabeça: ‘estou morrendo, não vou conseguir fazer o que gosto que é jogar basquete’. Foi um mês insano da minha vida, cheguei a ter 43°C de febre, delirava a ponto de pressionar a Marília contra a parede falando que iria morrer se fosse para debaixo do chuveiro. Em um mês, perdi 18 quilos. Chegou em um ponto que pensei: ‘não estou melhorando, vou me entregar, vou desistir de tudo’. Mas, bem aos poucos mesmo, fui melhorando. Sendo bem sincero, depois desse episódio da dengue, vivo cada dia como se fosse o último.”
Isso trouxe a lição para Matheus de não medir esforços para comemorar qualquer ocasião com seus familiares e amigos. Ele adora comer frutos do mar, principalmente, camarão e arroz de moqueca. Além disso, aproveitava o período crítico da pandemia, no qual o Paulistano honrou seus compromissos contratuais, para fazer churrasco quase todos os dias entre os que ficavam confinados no mesmo ambiente, saindo apenas para o mercado. Nada mais justo pensando em uma família que sofreu tanto sendo privada do prazer de comer.
Outro aspecto que Matheus carrega consigo desde muito pequeno é como ser forte diante daquilo que sua mãe previa que poderia acontecer em sua vida por conta da cor de sua pele. A família sempre o tratou de diversos nomes: Nego, Neguinho, Buiú, Buiuzinho, Buia, Matheuzinho, Teteu… Buiú, pelo dicionário informal, é o nome carinhoso que se dá a qualquer moleque de morro, nome que se dá a qualquer menor de idade que more em favela. Contudo, talvez nem mesmo o Matheus Buiú saiba, mas a origem vem do verbo buir, o mesmo que tornar luzidio, dar lustre, polir, dar brilho. Ou seja, Matheus carrega um apelido com maestria, levando brilho à vida de outras pessoas com sua alegria e simpatia. “Tudo começou, uma vez que eu fui treinar no Ginástico. Tinha 13 anos ainda e antes de uma viagem para Uberlândia meus parentes que foram ver no ginásio me chamaram de Buiú. Algumas pessoas não sabiam meu nome e o apelido pegou. Tinha gente que me chamava até de Buiú Matheus. Meu Instagram é ‘justbuiu’ porque só chamavam de Buiú”.
Parte do brilho de Buiú vem de sua vaidade e afirmação de sua identidade. “A cada dois jogos estou com o cabelo de um jeito. Mudo muito o cabelo, tiro o bigode, faço o cavanhaque. Tem jogo que aqueço com camisa diferente, com correntinha, com brinco, tem jogo que aqueço sem nada disso. No cabelo é trança solta, trança presa, dedoliss que a Marília faz, twist, black. Adoro inovar. Acho muito legal essa versatilidade de estilos. Eu vim de uma cultura onde convivi com muitas pessoas pretas, eu convivi vendo aquilo como certo e bonito”, comentou. Mas os cachinhos do dedoliss são seu estilo favorito. É com ele que o jogador se recorda de grandes atuações. “Toda vez que estava com dedoliss, batia meu recorde de pontos. Depois que saí da dengue, nos melhores momentos da minha vida estava com esse estilo. Na fase final da LDB, quando eu fiz um excelente campeonato, no meu ponto de vista, que foi até onde eu dei a enterrada na cabeça do Kauan (Raymundo). Aliás, esse lance marcou a LDB, um cara supostamente baixo, de 1,88m, cortei para o lado, contra um cara de 2,07m, subi e pensei: ‘subiu tarde, agora já era’. Olhei para trás e a torcida ficou maluca.”
Outras vertentes de sua identidade vêm de sua ancestralidade e base familiar. Buiú conta que a avó e a mãe nunca deixaram de ter alegria, mesmo nas adversidades, e que foram poucas as vezes em que viu a mãe chorar. Revela também que a família se reúne para fazer festa por qualquer motivo e, quando menos se espera, aparecem instrumentos para fazer samba. Mas ele sabe transitar nos diferentes gêneros musicais, com o funk e o trap, presentes na sua setlist. Além disso, aprendeu a se virar na cozinha, já que a mãe precisava trabalhar. Ele conta que prepara um frango com quiabo como ninguém e Marília confirma a qualidade de Buiú como cozinheiro. Eles se conheceram na época de Paulistano, porque Buiú batia bola com o pai e o irmão dela, sem que soubesse da relação familiar. Cativou tanto a família que com pouco tempo de namoro a sogra o tirou do alojamento que morava para que vivesse junto com Marília na casa dos pais em São Paulo. Tudo isso serviu para forjar seu caráter e fortalecer a sua mente para o que estava por vir.
Na saída do Paulistano para o Cerrado Basquete antes de começar a temporada 2023/24 do NBB CAIXA, Buiú dirigiu por 12 horas seguidas de mala e cuia para morar perto dos locais de treinamento, com Marília junto. Ela, cansada por embalar os pertences, dormiu a viagem toda, contudo Buiú mal se aguentava em frente ao volante no final do trajeto e ainda teve que descarregar tudo. Foi só o começo da jornada de uma temporada que ficou marcada na vida do atleta.
A começar pelo caso de racismo que sofreu em uma partida. “Na minha cabeça, eu tinha escutado errado. Só que ele falou tão claro, que não tinha como eu me confundir. ‘Negro de m…’! Aconteceu comigo, no basquete? Eu sempre sofri isso no cotidiano, andando na rua e pessoas brancas que vinham da direção contrária e desviar para a outra calçada e voltar. Ou saindo do treino, uniformizado, a polícia fazer ‘revista de rotina’, sendo que tinha passado pessoas brancas no mesmo local e não foram revistadas. Minha mãe me alertava disso, mas no basquete? Quando olhei para a arquibancada, minha família toda estava chorando e aquilo me destruiu.”
Com o Protocolo Antirracista acionado, a Liga Nacional de Basquete fez tudo o que estava sob sua competência dentro das normas da lei. Fez o acolhimento a Buiú e seus familiares e recebeu e encaminhou a denúncia aos órgãos competentes para julgamento na esfera esportiva.
Todavia, a temporada 2023/24 teve muitos pontos positivos que Buiú irá se recordar com muito carinho. Foi durante o último campeonato que participou pela primeira vez do Jogo das Estrelas, sendo um dos destaques do time Jovens Estrelas que foi para a final e perdeu para o time André Góes por um ponto. Foi a temporada em que o armador melhorou seus números em quadra. Teve 36 partidas, com média de 27,4 minutos em quadra, 10,8 pontos, 3,4 rebotes, 3,4 assistências, 1,3 bolas roubadas e 9,8 de eficiência por jogo. Foi o quarto em pontos e o segundo em assistências da equipe. E, por pouco, não ajudou ao Cerrado Basquete a se classificar pela primeira vez na história aos playoffs do NBB CAIXA.
Voltando ao começo da história, Naruto é o desenho favorito de Buiú. Tanto que uma de suas tatuagens é formada pelos personagens do desenho japonês circundando sua perna. “É uma história de superação, um moleque que era desacreditado, que tinha problemas e um demônio dentro dele, mas que não era levado a sério, tido como uma criança muito brincalhona. Ele veio do nada, passou fome, superou problemas, se tornou conhecido na vila onde nasceu. As coisas dão errado na vida dele, no dia seguinte, ele está lá de novo para tentar e consegue seus objetivos. Então, me identifico muito, as superações que ele teve me ajudaram a me inspirar”, explica Buiú.
Mas não é a única simbologia que carrega em sua pele. O atleta tem tatuado uma passagem bíblica que fala em esperança, tem o grilo da sorte da animação da Mulan, uma âncora da alma e, entre outras, a frase que tatuou no peito: “They will know my name”. Pois bem, muito prazer Matheus Buiú, seus 23 anos vividos já valem uma série completa e todos no basquete já sabem o seu nome. Agora, é esperar para ver até onde esse “guerreiro ninja brasileiro” pode chegar. A começar pelo que irá apresentar em seu novo clube do interior paulista. “Acredito que posso contribuir com uma defesa forte e muita energia. Tenho um bom arremesso e consigo criar bastante para a equipe, não só para mim, e acredito que vou conseguir contribuir muito com essas características para o time atingir boas campanhas na temporada”, afirmou.
O NBB CAIXA é uma competição organizada pela Liga Nacional de Basquete com patrocínio máster da Caixa Econômica Federal e Loterias Caixas, parceria do Comitê Brasileiro de Clubes (CBC) e patrocínios oficiais Sportsbet.io, Penalty, EMS e UMP e apoio IMG Arena, Genius Sports, EY e NBA.
Por: Imprensa – Liga Nacional de Basquete