Nem os fãs que acompanham de perto o campeonato brasileiro de futebol feminino, em seu pleno retorno às atividades após paralisação em razão da pandemia, poderiam imaginar que, em 2020, ao menos no discurso do secretário geral Walter Feldman, o futebol feminino receberia o mesmo tratamento do masculino.
Isso porque o campeonato feminino seguiu os mesmos protocolos de segurança adotados no campeonato brasileiro de futebol masculino e fora custeado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) – incluindo uma verba de 120 mil reais enviada no início da pandemia para as equipes das séries A1 e A2.
As condições em que o futebol feminino se constituiu ao longo das décadas são completamente diferentes das do masculino. Para o autor Daolio (2006), o futebol faz parte do cotidiano masculino desde a chegada ao mundo até a sua constituição, enquanto figura masculina na nossa cultura. Estes conceitos podem ser facilmente observados ao passarmos por um parque ou praça pública e vermos apenas meninos jogando futebol, reflexo dos valores socioculturais que a sociedade agrega a este esporte.
Sabe-se que os primeiros registros de futebol feminino no mundo datam de 1898, em uma partida entre Inglaterra e Escócia. No Brasil, o Jornal A Gazeta anunciou a primeira partida de futebol feminino em 1921, entre as Senhoritas Tremembenses e as Senhoritas Catarinenses, em meio às festas juninas. Antes disso, a figura feminina era parte secundária do esporte, apenas como moças recatadas ao lado de seus maridos nas arquibancadas.
A entrada da mulher no mundo esportivo foi lenta, discreta e marcada por muita luta. No futebol, o primeiro grande golpe foi dado pelo Conselho Nacional de Desportos (CND), que, em 1941, por meio do decreto-lei 3.199, em seu artigo 54, determinou: “às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”.
Segundo as autoridades do conselho, o objetivo deste decreto era proteger as mulheres dos “esportes violentos”, quando na verdade as determinações carregavam o preconceito que, praticamente, excluiu o futebol do mundo feminino.
O segundo grande golpe sofrido pelas mulheres na prática do futebol feminino foi em 1965, quando, “o Conselho Nacional de Desportos passou a proibir a prática de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de areia, polo aquático, polo, rugby, halterofilismo e baseball” para as mulheres.
Foi somente em 1979 que o CND, através da deliberação n. 10, revogou a lei n. 7/65. Na soma dessas duas leis, foram quase quarenta anos de proibição da prática desta modalidade por mulheres no país.
E neste momento, de fato, teve início a história do futebol feminino no Brasil. O primeiro campeonato de futebol feminino realizado no âmbito nacional foi a Taça Brasil de Futebol Feminino, que ocorreu entre 1983 e 1989. Ainda de acordo com informações encontradas no site da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a primeira seleção brasileira de futebol feminino foi “convocada” pela entidade em 1988 para disputar o Women Cup of Spain.
Desde então, o futebol feminino brasileiro, por meio da seleção brasileira, tem buscado seu espaço no âmbito internacional com a conquista de títulos expressivos, como Campeonato Sul-Americano Feminino, Universíade, Jogos Pan-Americanos, Torneio Internacional Cidade de São Paulo, Jogos Mundiais Militares, Copas do Mundo de Futebol Feminino e Olimpíadas.
A CBF organizou em 2013 o primeiro campeonato brasileiro. Antes disso, a entidade organizava a Copa do Brasil, campeonato de mata-mata entre as equipes mais bem classificadas no ranking da modalidade. Mais recentemente, em 2017, a entidade alterou o formato do campeonato brasileiro feminino, criando as séries A1 e A2, ambas com 16 times cada. O campeão da série A está automaticamente indicado como representante brasileiro na Copa Libertadores da América.
A evolução do esporte pelo mundo chamou a atenção da FIFA, responsável por realizar em 1991 a primeira Copa do Mundo de Futebol Feminino, na China. Logo depois, o Comitê Olímpico Internacional (COI) incluiu a modalidade nas Olimpíadas de Atlanta de 1996, onde o Brasil conquistou a quarta colocação na competição. Em resumo, nota-se que as competições de futebol feminino em nível mundial são recentes, totalizando aproximadamente 30 anos de iniciativas mais significativas.
A evolução do futebol feminino não para por aí! Prova disso é a recente aquisição dos direitos de transmissão dos jogos das séries A1 e A2 do campeonato brasileiro por uma emissora de grandes proporções midiáticas no país. O investimento deu tão certo que, segundo os blogs esportivos, o futebol feminino é a maior audiência da emissora aos domingos.
Outra grande conquista é a iniciativa de alguns clubes, reconhecidos pela grande repercussão e pela torcida fervorosa no futebol masculino, aderirem ao futebol feminino com a formação de equipes. Times como Corinthians, Santos, Internacional, Grêmio, Flamengo e Ferroviária hoje possuem a categoria feminina, e isso faz aumentar ainda mais a audiência no esporte.
Nesta linha do tempo, é possível perceber que, ao longo dos anos, por meio de iniciativas públicas e privadas, as mulheres no Brasil estão conquistando seu espaço no mundo do futebol. Felizmente, esta participação já é uma realidade.
Mesmo num cenário promissor, não há como fazer comparações entre o futebol feminino brasileiro e o futebol praticado nos países “de primeiro mundo”. Nações como o Brasil, que ainda estão em processo de desenvolvimento econômico, político e social, conforme mencionado anteriormente na história do futebol feminino, levarão um pouco mais de tempo para se estabilizarem, mas certamente alcançarão as grandes conquistas e reconhecimento no esporte.
Autora: Marina Toscano Aggio de Pontes é ex-atleta da Seleção Brasileira de Futebol e professora do curso de Educação Física do Centro Universitário Internacional Uninter.
Por: Página 1 Comunicação – Ana Paula Scorsin